A Escotilha do Chieftain: Armas, Munições e Estrangeiros

Mais uma vez, entrego o teclado a um pobre sujeito na secção de história do Ramo de Armas e Munições que, no final da década de 40, se sentou em frente de uma daquelas barulhentas máquinas de escrever para escrever um documento que provavelmente sabia que não seria nunca lido por ninguém com mais do que um interesse passageiro. Neste caso, é uma secção da história oficial intitulada “Relações com as Nações Aliadas”. Transcrevo o seguinte sem editar ou comentar:

 

Sendo o serviço técnico do Departamento de guerra que produziu a maior parte das munições lend-lease disponibilizadas a outros membros das Nações Unidas, o Departamento de Armas e Munições tinha, naturalmente, contacto com essas nações no campo do desenvolvimento. O material lend-lease era fornecido a inúmeras nações, estando, geralmente, os países mais pequenos dispostos a aceitar armas padrão do Exército dos Estados Unidos. Os aliados britânicos e soviéticos, contudo, mantiveram suas próprias organizações de desenvolvimento extensivo e, aparentemente, refletiram bastante no assunto. Assim, surgiram alguns desentendimentos entre os principais aliados.

As dificuldades de desenvolvimento com os soviéticos tomaram uma forma diferente das que existiam com os britânicos. Os soviéticos estavam perfeitamente dispostos a aceitar armas padrão americanas. Demasiado dispostos, começou o Departamento de Armas e Munições a achar mais perto do final da guerra. A principal queixa do Departamento de Armas e Munições contra a URSS tinha por base o caráter uni-lateral da disponibilização de informação técnica. Por exemplo, eles queriam receber informação sobre os foguetes soviéticos e tinham sido informados de que um dos acordos a que se chegou na conferência de Teerã abrangia a liberação desses dados. Quando os dados fornecidos pelo governo soviétco chegaram a Washington, contudo, descobriram que diziam respeito somente aos foguetes alemães.

Não temos foguetes para vocês. Mas aceitamos vossos caminhões para lançar eles, por favor.

Os pedidos de informações técnicas feitos a representantes soviéticos em Washington tiveram sempre a mesma resposta - que o pedido devia ser feito através da missão militar dos Estados Unidos em Moscou. Tendo em conta as táticas evasivas dos soviéticos, não é surpreendente que o Departamento de Armas e Munições estivesse insatisfeito por causa da liberação de desenvolvimentos tão importantes como a arma antiaérea de 120mm e o tanque pesado M26 para a URSS. Uma vez que esses itens foram requisitados em  tão pouca quantidade que tinham um valor tático inexpressivo, o Departamento de Armas e Munições estava convencido de que as armas eram desejadas apenas para o propósito de análise técnica. Alertados por reservas semelhantes, eles tentaram bloquear o envio de dois canhões de 8 polegadas e de dois obuseiros de 240mm para os soviéticos, em abril de 1945, mas não foram bem sucedidos.

O pessoal do desenvolvimento britânico nem sempre estava tão disposto como os soviéticos para aceitar os designs do Departamento de Armas e Munições para equipamentos. Os britânicos tinham estado envolvidos no design, desenvolvimento e produção de armas e munições antes de os Estados Unidos existirem e, naturalmente, se consideravam competentes nessa área. As dificuldades entre os dois grupos de desenvolvimento ocorreram principalmente durante o ano que antecedeu a entrada dos Estados Unidos na guerra, um período marcado pelo estabelecimento de maquinaria lend-lease e pela constituição dos Estados Unidos como o Arsenal da Democracia. Os britânicos aceitaram mais tarde, em grande medida, os designs americanos, muitos dos quais continham modificações derivadas de estudos de desenvolvimentos britânicos.

O estado desagradável das relações de desenvolvimento com os britânicos no decorrer de 1941 foi muitas vezes evidenciado no diário do General Barnes. Mesmo antes da aprovação do ato Lend-Lease em março de 1941, o General Barnes estava ficando exasperado com o Reino Unido, dizendo seu diário em janeiro desse ano:

Desde o início que tem sido praticamente impossível obter informações completas dos britânicos no que diz respeito a quaisquer dos seus equipamentos. Aparentemente, estão faltando desenhos e especificações completas referentes ao equipamento britânico. Por exemplo, os britânicos enviaram o canhão Bofors de 40mm para esse país, juntamente com o diretor e sistema de controle de energia Kerrison, com o propósito expresso de ter o equipamento em produção aqui. Embora o equipamento tenha chegado, nem sequer um desenho foi enviado com ele. Depois dos testes, foi decidido que o sistema de controle de energia e diretor Kerrison seria colocado em produção... Não se conseguiu obter quaisquer desenhos dos britânicos. Foi preciso desmontar ele completamente no Frankfort Arsenal... medir cada componente, e fazer... cerca de 600 desenhos... É difícil entender a atitude deles, a não ser que seja devido a estupidez.

Nove dias depois, o General Barnes lammentou “o efeito infeliz de duplicar trabalho de pesquisa e desenvolvimento que já está em progresso no Departamento de Armas e Munições”, quando soube que os britânicos, depois de saberem de um projeto deles para desenvolvimento de umas esteiras de tanque de borracha, tinham feito um contrato com a Goodyear Tire and Rubber Company para um trabalho de desenvolvimento semelhante. Na primavera de 1941, o General Barnes manifestou mais uma vez o seu desagrado com aquilo que considera ter sido intransigência por parte dos britânicos a respeito de 23 itens que o Reino Unido queria colocar em produção neste país. “Embora tivéssemos os padrões americanos sendo fabricados neste país em todas as formas equivalentes a esses itens,” disse no seu diário o General Barnes, “os britânicos insistiram no fabrico dos seus próprios itens, não tendo nenhum deles “qualquer interesse para o Exército dos Estados Unidos...” Ele acrescentou que embora tenha “rejeitado categoricamente a lista que estava sendo passada” saiu derrotado na votação.

A situação desagradável com respeito ao desenvolvimento sofreu uma reviravolta para melhor no final de 1941 com a chegada de uma missão britânica sob a alçada do General Packingham-Walsh. A missão deixou as Ilhas Britânicas com a intenção franca de persuadir os Estados Unidos a seguirem o design britânico no fabrico das principais armas. Como se percebe acima, contudo, o Departamento de Armas e Munições achava que o design americano era superior. Para resolver esta diferença de opinião, o Departamento de Armas e Munições promoveu uma série de testes comparativos das armas britânicas e americanas. Estas demonstrações desanuviaram o clima consideravelmente, tendo se chegado a acordo que o obuseiro americano de 105mm era superior ao 25-pounder britânico, e que os canhões americanos de 4,7 polegadas e 155mm eram superiores aos canhões britânicos de 4,5 polegadas e 5,5 polegadas. O canhão de 4,7 polegadas americano foi depois retrabalhado para o tamanho de 4,5 polegadas para permitir o uso de munição britânica. Não foi conseguido nenhum acordo imediato relativamente aos méritos das armas antiaéreas de 3,7 polegadas (britânica) e 90mm (americana), embora mais tarde os britânicos tenham aceitado a de 90mm.

As relações melhoraram ainda mais com a visita da Missão de Tanques Britânica, em março de 1942, e a sua admissão subsequente de que o tanque médio americano M4 era provavelmente um veículo de combate melhor do que o Churchill, que a Missão tinha originalmente favorecido. As relações melhoradas foram cimentadas em agosto de 1942 quando a Missão Técnica dos Estados Unidos, encabeçada pelo General Barnes, visitou as Ilhas Britânicas e discutiu toda a gama de munições com os especialistas britânicos no terreno. Outras missões atravessaram e reatravessaram o Atlântico durante o restante tempo de guerra, mas a base para a cooperação efetiva tinha sido construída no final de 1942.

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